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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Advogados estagiários elegem morosidade como pior mal da justiça


Advogados estagiários elegem morosidade como pior mal da justiça em Portugal. Alterações legislativas constantes, falta de condições nas instalações dos tribunais e custos da justiça são alguns dos problemas apontados.

O vaivém de malas nas proximidades da Faculdade de Direito da Universidade do Porto poderia enganar um distraído. A azáfama é mais compatível com uma estação de comboios ou com um terminal de camionagem. Mas não. Trata-se apenas do exame final de avaliação (agregação) da Ordem dos Advogados (OA), para quem já completou um estágio mínimo de dois anos.

As malas carregam os códigos e os livros de consulta. Aproveitámos o pretexto, no sábado passado, para radiografar a justiça pelos olhos de alguns dos 150 futuros advogados inscritos na prova. E todos concordam que a morosidade é a doença mais grave do sector.

“Uma justiça morosa é injusta por definição”, resume Vasco Rocha, 26 anos, depois de terminar a prova de Deontologia e Prática Processual Civil. Sofia Torres, que carrega 12 livros na mala, concorda e aponta as sucessivas mudanças legislativas como uma das causas do problema. “Quando nos estamos a adaptar à funcionalidade de um código, saiu outro”, lamenta. E as alterações constantes são incompatíveis com a boa qualidade dos diplomas. “A lei tem muitas vezes lacunas e, às vezes, acredito propositadas para defender quem as faz”, diz Vasco Rocha.

A falta de condições físicas dos tribunais é outra falha apontada. Vera Eusébio, 27 anos, fez a agregação há dois e veio só dar apoio moral. A sua experiência já serve para dar exemplos. “O Tribunal do Trabalho de Barcelos e o Tribunal judicial de Valongo são dos piores ao nível das instalações”, enumera.
Escapando ao politicamente correcto, os estagiários reconhecem que os advogados também fazem parte do problema. “Muitos usam expedientes dilatórios, mas isso paga-se bem porque normalmente os juízes multam as partes que afinal não tinham nada para arguir. Aí se vê que há a justiça dos ricos e a dos pobres”, argumenta Vasco Rocha.

Perguntamos pelo segredo de justiça, tão em voga na boca dos políticos, nos últimos tempos a propósito do caso Face Oculta. Contudo, por aqui ninguém vê o tema como uma maleita séria. “Os clientes com que lidamos no dia-a-dia não são pessoas conhecidas, por isso nem se fala disso”, resume Sofia Torres.

O custo da justiça é outra preocupação de quem pretende integrar um mercado já de si saturado. Sofia Torres considera as taxas de justiça actuais “um absurdo”, um problema agravado, explica Vera Eusébio, com o novo regulamento das custas que obriga a pagar tudo logo no início. “Tenho uma cliente que está divorciada na Suíça e precisava de pedir uma revisão de sentença estrangeira para que o divórcio fosse reconhecido cá. Como este tipo de processo vai logo para a Relação e a sentença tem que ser traduzida a 30 cêntimos a palavra, avisei-a que só em despesas ia gastar à volta de mil euros”, conta Sofia Torres. “Isto sem os meus honorários”, completa, ao adiantar que a senhora não quis avançar.

Tânia Cardoso, 26 anos, lamenta a dificuldade dos estagiários em praticar nos tribunais, agora que o Estado deixou de lhes distribuir as defesas oficiosas (acções de quem não tem dinheiro para pagar um advogado). E muitos colegas lamentam que os patronos deleguem muitas destas acções nos seus estagiários, sem lhes pagar qualquer retribuição. Esta é, aliás, outra queixa recorrente: Na grande maioria dos casos, o estágio de dois anos continua a não ser remunerado. E a OA exige um total de mil euros pela inscrição e pelos exames.

Fernanda Costa, 37 anos, não entrou no curso de Direito à primeira. Mas não desistiu. Fez Assessoria de Administração e agora está perto de concretizar um sonho de criança: ser advogada. Diz-se desiludida com a formação e com as dificuldades que a OA cria no acesso à profissão. “Quando tinha 17 anos acabei o 12.0 ano com média de 17 valores e não entrei em Direito. Hoje entra-se com dez. A selecção devia ser feita à entrada”, sustenta.

MARIANA OLIVEIRA | JORNAL DE NOTÍCIAS | 04.01.2010

1 comentário:

Rachel disse...

Concordo principalmente com a falta de selecção à entrada, quanto ao estágio.
Quanto à justiça em geral, nem vou tecer comentários.
Pensa bem, Quebra, pensa bem...